Censura, Preconceito e Segregação Espiritual

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Continuando minha recordação de pequenas (e desagradáveis) lembranças como numerário do Opus Dei, descrevo a vocês mais alguns episódios que marcaram minha passagem pela Obra e que continuam intocadas em minha mente.

Às vezes me pergunto por que o meu inconsciente fez questão de guardá-las tão bem, como se fosse algo importante para ser dito em algum momento apropriado...

Padre Osvaldo e a “Mulher-Alicate”

Em um curso anual de adjuntos, recordo-me em especial de uma palestra sobre o tema da castidade (ou talvez fidelidade a Obra, não me lembro ao certo) ministrada pelo Padre Osvaldo Gandin - sacerdote da Obra - ao cair de uma tarde tranqüila, depois de termos jogado futebol, nadado e aproveitado bastante o dia, tudo confirme o cronograma de atividades.

Após a introdução do tema (já nas primeiras palavras todos os numerários automaticamente já conhecem a conclusão da palestra de antemão) e a devida argumentação pedagógico-espiritual de praxe neste tipo de palestra, o sacerdote deixou-se tomar por algumas recordações pessoais (talvez para fortalecer a eloqüência da mensagem), e assim começou a proferir algumas afirmações que só poderiam ser proferidas em um ambiente controlado – ou seja, sem a presença efetiva de nenhuma mulher – tais como : “tomem muito cuidado ao andar por aí, pois existem mulheres por aí que são como alicates : elas prendem vocês pelas pernas, daí não soltam mais...”, fazendo desta forma uma clara ofensa ao sexo feminino, ao mesmo tempo em que tentava nos amedrontar diante das mulheres e criar um preconceito contra elas dentro de nossas cabeças. Imagino que este sacerdote, talvez no mesmo dia ou no dia seguinte, poderia estar atendendo as numerárias da seção feminina como se nada disto tivesse sido dito...

A Visita do Prelado do Opus Dei a São Paulo

Na ocasião da vinda do Prelado do Opus Dei – Xavier Echevarria – a São Paulo, algumas semanas antes eu já estava “em processo de apitagem” – ou seja, prestes a entrar para a Obra como numerário – mas o diretor do centro, na época o Fernando Cintra, “segurou” este anúncio para o exato dia da vinda do Prelado.

Assim - em um ginásio esportivo com algumas centenas de pessoas ligadas a Obra, e diante de câmeras e fotógrafos – eu anunciei ao microfone minha decisão de entrar para a Obra. Até mesmo as palavras que eu pretendia dizer foram antes “avaliadas” e “retocadas” pelo mesmo Diretor, tudo para que o “efeito publicitário” da minha declaração pública fosse maximizado e assegurado.

Na mesma ocasião, eu, como recente membro da Obra, já comecei a estranhar os efeitos da lavagem cerebral e “hipocrisia coletiva” que atingia os membros mais antigos do Centro, que, ao manifestarem sua extrema alegria e felicidade ao receber o Prelado da Obra, não entendiam a minha aparente apatia e indiferença em relação a este fato – pois para mim tratava-se apenas de um homem importante a quem eu devia respeito e obediência – mas que não por causa disto eu deveria mostrar-me alegre e exultante pela sua presença.

Eu pensava comigo: “Trata-se apenas de um chefe religioso, não o conheço pessoalmente. Até onde sei não realizou nenhum milagre, então por que devo manifestar-me desta maneira ?”. E as repostas que eu ouvia eram “É que você está iniciando, não entendeu ainda...” ou então “É o Padre, é o Padre, como você não está feliz ?”

A Vinda do Papa ao Rio de Janeiro, no Maracanã

Em outra ocasião, na visita do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro, no Maracanã, o centro que eu freqüentava - o do Itaim - organizou uma viagem em um ônibus fretado, e chegamos um dia antes no estádio para reservarmos um lugar mais próximo ao pronunciamento do Santíssimo Padre.

Porém, não tardou a ocorrer o conflito que eu já previa : membros do Opus Dei estavam no meio de “católicos comuns”, isso era sinal de que algo de anormal estava para acontecer... E qual foi a nossa reação ? (é claro, sempre orientada pelos membros mais velhos) – que não deixa de ser uma enorme metáfora irônica ao slogan espiritual do Opus Dei de “ser cristão no meio do mundo” : formamos um círculo , ou melhor , uma barricada impenetrável, dentro do qual nós cumpríamos as normas de leitura e oração – enquanto que os membros que formavam o “muro externo” davam as costas para a multidão, bloqueando qualquer empurra-empurra e evitando qualquer diálogo com homens – nem se fale mulheres – que fraternalmente estivessem ao nosso redor.

Apesar de que todos estavam ali com o mesmo objetivo e aguardando a chegada do mesmo chefe religioso, ficou claro para mim o isolamento – um verdadeiro Apartheid espiritual – entre Opus Dei e os “cristãos comuns”. É contra esta grande contradição que se instalou dentro da Igreja que eu escrevo este testemunho.

Um abraço a todos,

C.A.