Ser Alguém, apesar de não se ser ninguém quando se é numerária do opus dei

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Ou: o meu obrigada ao Pe. João Sérgio, antigo sacerdote secretário da seção feminina do opus dei, ex-numerário.


Aos que perguntarem: “Então, por que cáspita escreve assim?” respondo como muito bem me treinaram no opus dei: “Papo meu!!!!”.

Treze anos (aproximadamente) de opus dei são mais do que suficientes para que uma criatura tenha sua auto-imagem e auto-estima totalmente destruídas.

Comigo, não foi nada diferente. Talvez até fosse desnecessário colocá-lo no papel – de tão repetitivo – não fosse notável o número de ex-numerárias que fora do opus se mantêm ainda caladas, ou pior, com medo de seu passado, com medo de um presente que a obra lhes inculcou “de traição” e de “fraqueza”.

Muitas são as formas e atitudes práticas de aniquilamento da personalidade, da auto-estima, praticadas pela prelazia. Desde as sonoras broncas no melhor estilo hispânico, passando pelo desprezo formal, humilhações, até a descaracterização da personalidade.

Uma das maneiras empregadas comigo - e claro, tantas e tantas outras - foi a retirada cirúrgica do meu “habitat natural” , o convencimento de que a “vontade de deus” era abandonar TUDO o que me era mais caro: um grande amor, a profissão, uma vida.

Entretanto, não é o tema central de hoje, e ainda haverá oportunidades de voltar a este tema, quem sabe por profissionais especializados como psiquiatras e estudiosos...


Entre os anos de 1993 até agosto de 1998, de acordo com o “gap” (a brecha) na minha carteira profissional, fui secretária no conselho local do Sítio da Aroeira,uma casa de retiros e convivências do opus dei.

Durante este período eu, “originalmente“ competitiva profissionalmente, não tive registro, salário ou contribuição previdenciária. Não se trata aqui de uma acusação trabalhista, mas de ir mostrando ao leitor que me foram reduzindo ao nada, ao não ser, à anti-matéria: à anti-t e l m a....

Tudo aquilo para o qual havia me preparado profissionalmente, em um colégio de freiras Franciscanas, em um curso técnico competente, conhecer língua estrangeira e mais tarde em duas graduações em universidade de primeira linha, e posteriormente uma pós-graduação abortada, para servir melhor a prelazia, para a suposta “obra de deus”, nada valiam, aliás eram não só lixo como prováveis motivos de vã glória.


O que sim, tinha valor, eram coisas, muito simples e singelas, das quais eu não tinha nenhum domínio, como arrumar camas em menos de um minuto, lavar de 15 a 18 vasos sanitários, pias e box de banho em 35 minutos, saber transformar batatas fritas murchas, rolos de queijo e suflês de legumes em sopas, e diversos outros afazeres manuais, mas nada domésticos.


Nada domésticos por que não obstante a obra internamente fazer finca pé de que a administração (as mulheres que cuidam das tarefas como limpar, lavar, passar e cozinhar) são “irmãs” que cuidam de suas casas e família, alguém aí já viu uma casa de família com 50 quartos? Onde só o diretor ou o sacerdote fala com o lado feminino da família, e ainda assim por telefone ou confessionário?

Alguns textos internos e até pontos de caminho, designam o opus dei ainda como “milícia”. Talvez fosse realmente mais adequado tendo em vista que um quartel tem mais da organização e da obrigatoriedade de tarefas que uma família “normal”.


Tudo tivesse acontecido num quartel eu, no máximo, pegaria uma solitária? Quando muito? Como tudo se passou no opus dei... ganhei foram muitas correções fraternas por não ser rápida, muitas humilhações pela minha falta de aptidão...

Ainda que morando com tantas mulheres, eram umas seis numerárias auxiliares (nax) no “time” da administração, outras oito nax no centro de estudos, mais outras quatro numerárias para conselho local e trabalhos, a afetividade sempre foi reprimida. Cumprimentos como beijinhos no rosto eram proibidos e abraços apenas tolerados em aniversários. Não havia lugar para um “bom dia” ou “boa noite, dorme bem” , apenas “Pax” “in aeternum”. O mais impessoal possível. Moças afetivas e mais sentimentais eram então afastadas até mesmo da possibilidade de prosseguir na suposta “vocação” pelo constante medo da homossexualidade feminina, oficialmente por “falta de idoneidade” (que o Aurélio nos traduz como: falta de apitidão).


Dentro deste universo de desprezo pela personalidade real, e já forjada pelo constante repetir de mantras como pontos de “caminho” e outros, entre os quais:

“Eu não sou nada, não valho nada...”
Ego servus tuus, ego servus tuus, et filius ancillae tue!
“Somos servos inúteis, fizemos o quê devíamos fazer
Semper ut iumentum!
ut iumentum factus sum apud te!
“Senhor, livra-me de mim mesma!”

Houve nessa época, na minha vida como na de muitas, momentos de grande desvalia, de profunda tristeza por não ser, não valer nada e não merecer a menor consideração ou respeito.

Atender ao telefone interno era já estar preparada para ouvir uma série de advertências, sobre tudo o que “não estava de acordo”, como o café dois graus abaixo da temperatura, o arroz dois átomos mais salgado, etc. Atender ao telefonema de sacerdotes era simplesmente (como já se mencionou na seção voeyer) pedir um momento para transferir a ligação para o escritório e ainda por cima sempre pedir desculpas por ter demorado mais que 30 segundos... Tanta era a pressão que no centro de estudos de numerárias um dos trotes era ligar para a portaria na linha que era usada pelo conselheiro (o vigário regional, autoridade máxima do opus dei no Brasil) e ficar olhando o desespero da aluna porteira...

Em um destes muitos momentos de anti-vida, houve pequenas considerações, como aquela vez em que eu relatei entre lágrimas no confessionário que estava emocionada por quê uma numerária que havia ido descansar na Aroeira tinha se dignado parar no corredor para me sorrir e dizer “bom dia”...


Chega-se a um ponto em que a gente se acostuma. E se reconhece como “nada e menos que nada”.


Nessa altura, um determinado dia, liga e pergunta pela diretora nada mais nada menos que o sacerdote secretário da seção feminina. Um sacerdote alto, magro, de sobrancelhas muito negras e cerradas, sempre introspectivo e de voz sonora, forte, mas tranqüila e tranqüilizadora. Um daqueles legítimos “médico de almas” a quem se confiavam, principalmente na seção feminina, as criaturas mais despedaçadas. O Pe. João Sérgio.

O mesmo Pe. João Sérgio para o qual a então vogal de são rafael, minha “xará”, ao sabê-lo nomeado torceu o nariz e comentou qualquer bobagem (atitude pela qual não fui autorizada a fazer a correção fraterna).

[eu ] – Alô...
[PJS] – Alô, bom dia, aqui é o Pe. João Sérgio, a diretora está por favor?
Embora o “Pax” ”in aeternum” fosse mesmo proibido pelo telefone, o “por favor” não era habitual na fala dos sacerdotes da obra.
[eu] – Não, Pe. João Sérgio, a diretora não está, desculpe, não tem ninguém.
[PJS] – Como, ninguém?
[eu] – É, ninguém, saíram todas.
[PJS] – Como, ninguém? E com quem eu estou falando?
[eu] – digo, não tem ninguém do conselho local. Só estou eu e A. (uma nax copeira).
[PJS] – Mas, você, além de ser alguém, é a secretária do conselho local.
E o Pe. João Sérgio riu suavemente.
[PJS] – Então eu posso falar com você?
Na profundeza da minha insignificância, ainda insisti:
- O senhor não prefere que eu peça para a primeira que chegar ligar para o senhor?
Afinal, era a praxis tanto do conselheiro como dos demais sacerdotes.
E o sacerdote, como se ainda não tivesse dito, repetiu:
[PJS] – Mas, você, além de ser alguém, é a secretária do conselho local.
[eu] – É.....

A partir daí, conversou comigo e me expôs o que precisava. Ao acabar, voltou a me garantir - e eu quase via na minha frente aquelas lentes grossas dos seus óculos - de que sim, eu era ALGUÉM!

Somente deste dia em diante, eu soube, mas deixei bem escondido, de que apesar de ser a secretária do conselho local, apesar de ser numerária do opus dei, eu era ALGUÉM.

Telma P.