Relato de um ex-numerário do Opus Dei

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Saí da Obra há 20 anos, em 1985, e lembro-me com tranqüilidade dos 9 anos que fui sócio, sem rancor nem mágoa. Encontrar alguém conhecido do Opus Dei é, para mim, como encontrar um velho amigo de infância, e só. Não me incomoda em nada. Minha vida já tem preocupações suficientes para que eu não precise me incomodar com o que ficou para trás. Por isso, não tenho porque trazer aqui acusações sobre seus métodos nem ataques aos seus membros. Respeito-os, ainda que não concorde.

No entanto, após uma agradável conversa com um querido amigo, também ex-numerário, aceitei seu convite para expor neste site os meus pontos de vista a respeito da Obra. Por que aceitei? Porque vi neste convite uma oportunidade de transmitir uma experiência que poderia ser útil a outros que estejam passando por uma fase de questionamento da sua vida na Obra ou que, estando já fora dela, ainda não se encontraram. E, quem sabe, até mesmo para os que não estejam questionando nada, mas que por uma obrigação de ofício, ou por mera curiosidade, tenham entrado neste site e venham a ler este depoimento.

A todos, o meu: Pax, in Aeternum.

Acredito que a chave para que todos nós encontremos a verdadeira paz interior, e tenhamos uma vida agradável aos olhos de Deus, está, principalmente, em duas virtudes: a retidão (agir de acordo com a voz da consciência) e a humildade (reconhecer-se limitado, com defeitos e aberto a receber ajuda).

Nesta crença baseia-se o relato que se segue.

Começarei dirigindo-me aos numerários(as) do Opus Dei que não estão questionando nada, convictos do seu caminho:

  • Reconheçam que são humanos e, portanto, passíveis de erro. Inclusive - por que não? - quando orientam as pessoas (como diretores espirituais). Somente o Papa, por ser iluminado pelo Espírito Santo, tem garantia de acerto, e mesmo assim, limitado àqueles momentos em que está definindo solenemente aspectos ligados à fé e à doutrina. Fora isso, ele também é humano e passível de erro. Não vimos recentemente o Santo Padre Papa João Paulo II desculpar-se pelos desacertos da Igreja?
  • Não se coloquem como enviados de Deus e com prerrogativas divinas quando, na verdade, são meros humanos, aconselhando outros humanos. É a luz do Espírito Santo que vai fazer o aconselhado perceber o que tem de Deus nestas suas palavras. E vocês não são enviados do Espírito Santo! O(a) aconselhado(a) deve seguir a Sua voz de acordo com o seu entendimento e na medida da sua capacidade. Assim deve ser. E não por uma pressão moral proveniente da sua autoridade como diretor espiritual. Desta forma, se um amigo preferir negar seu convite para assistir a palestra de sexta-feira, respeite-o na liberdade que Deus lhe deu. Não lhe oprima com a idéia de que ele está se negando a aproximar-se de Deus. Nem lhe trate diferente se ele definitivamente decidir não participar mais das atividades do Centro. Deus continua amando aquela pessoa, tanto quanto ama você. Por isso, não o exclua de suas orações também.
  • Quando vocês se colocam como porta-vozes de Deus, interlocutores da Sua vontade, indicando - nos detalhes do dia a dia - como Ele, supostamente, espera que seus orientados se comportem, se vistam, etc., vocês acabam por manipular suas consciências, tornando-as escrupulosas, no mau sentido, ou seja, capazes de ver pecado em tudo: num bombom fora de hora, numa olhadela de apreciação a um belo exemplar da espécie humana, numa espreguiçada na cama ao soar do despertador, e por aí vai... Os ensinamentos da Bíblia, por si só, são suficientes para que saibamos o que Ele espera de nós em cada momento do dia.
  • Não se coloquem acima do bem e do mal, como superiores aos demais católicos, acima das pessoas mais humildes, como poderosos detentores da verdade (faz-me lembrar a figura dos fariseus...). Sem perceber, vocês passam uma imagem de prepotência, inacessibilidade e intransigência. Numerários homens: não tratem as mulheres como seres de outro planeta. Comuniquem-se com elas com naturalidade, sem medo. Sua atitude deve ser equiparada à de um homem bem casado. Ele convive e conversa com as mulheres do trabalho, e com as que encontram na rua, sem esquisitices. Não têm o que temer, pois sabem o que querem na vida: a sua mulher. Vocês, se assim entendem, a sua vocação.
  • Por fim, reconheçam o direito de ir e vir das pessoas e não façam os numerários(as), ou super-numerários(as), sentirem-se como o último dos pecadores caso demonstrem sua vontade, tranqüila e amadurecida, de se desligarem da Obra. A vocação é para toda a vida? Pois o casamento também é. E, ainda assim, a Igreja reconhece o direito de um casal se separar e, inclusive, de anular seu casamento – ficando livre para casar-se novamente – caso tenha motivos que demonstrem que ele não foi válido. Eu não tenho dúvida que não tinha vocação. Afinal, como poderia um jovem com 14 anos e meio decidir, amadurecidamente, o rumo definitivo para sua vida? Por mais que seja levado ao caminho da vocação à Obra, deve-se – minimamente – dar-lhe sempre a possibilidade de uma saída honrosa. Não humilhante.

Dirijo-me agora aos que saíram da Obra:

  • Considere o tempo que esteve dentro do Opus Dei como um tempo, especialmente preparado por Deus, para que você pudesse se aproximar mais d’Ele. Um privilégio que o permitiu conhecê-Lo melhor. Agradeçam isso a Deus. Com certeza Ele tem os Seus motivos para permitir que você tenha passado pelas experiências que passou, enquanto esteve na Obra.
  • Desta forma, não faz sentido você se afastar d’Ele apenas por não ter se identificado mais com a Obra. Mudamos com o tempo, amadurecemos e encaramos a vida de forma diferente com o passar dos anos. Não há nada de mais querermos seguir a estrada da vida com um outro caminhar. Só não podemos abandonar o caminho, afastarmo-nos de Deus.
  • Mesmo que não se sinta mais inclinado a receber os Sacramentos, não se volte contra Deus, não o ignore. Agradeça, sempre e muito, tudo o que Ele lhe deu. Inclusive as coisas que possam lhe parecer injustas ou ruins.
  • Não se envergonhe do seu passado. Tenha orgulho de ter podido participar de uma Associação que lhe deu a chance de ajudar outras pessoas, nem que tenha sido só pelo seu exemplo. Orgulhe-se de ter tido a coragem de colocar sua vida a serviço de Deus. Pense com que alegria Ele deverá recebê-lo no Céu por isso.
  • Perdoe os sócios que eventualmente lhe tenham feito algum mal. Perdoar é um ato divino e traz consigo a eliminação de qualquer rancor ou mágoa, que tanto mal faz ao coração. Peça ajuda a Deus para conseguir isso. Lembre-se do exemplo do saudável Papa João Paulo II, que perdoou, visitou e abençoou o homem que tentou assassiná-lo.

Termino aqui, reforçando o que disse antes: somente pela humildade e pela retidão de consciência seremos capazes de encontrar a paz e, com ela, Deus e a felicidade.

São José dos Campos, 10 de junho de 2005.

Marcos Uchôa