Por que alguns precisam de tantos anos para sair do OD?

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Augsto T. P. (org.)

Introdução: pseudo-perguntas e preconceitos: a nova seita dos fariseus

Muitos têm perguntado por que há casos de pessoas - pessoas inteligentes, com personalidade etc. - que levam tantos anos (por vezes, décadas) para sair do Opus Dei. O diálogo torna-se difícil se a pergunta procede de alguém que dá por certo o fato de que a Obra é de Deus (e que quando muito pode ter lá algumas disfunções, erros humanos deste ou daquele diretor...). E se esse alguém é um espírito primário, incapaz de análises mais profundas, aí a compreensão torna-se impossível e absolutamente inviável o diálogo, pois essa pessoa que "pergunta" já vem com a resposta pronta: "Este cara (que saiu da O.), não quis encarar as (legítimas) exigências de santidade que a sua vocação divina trazia consigo e é um traidor. Esse cara certamente 'aprontou' alguma... É impossível que só depois de vinte e tantos anos é que ele sacassse os tais defeitos que ele diz que a Obra tem. Por isso esses caras que criticam a Obra estão cheios de rancor...". Etc.

Como continua atual a cegueira dos fariseus, descrita com incrível felicidade (com divina simplicidade) no capítulo 9 do Evangelho de São João (diante de Cristo que cura o cego de nascença)! "Nós (os fariseus) sabemos que este homem é um pecador...". Para entender o bloqueio em relação à verdade dos novos fariseus, vale a pena ler o magistral estudo de Josef Pieper sobre esse cap. 9.

Mas, para aqueles que realmente querem entender, vamos dar alguns elementos para ajudar a ter algum grau de compreensão. Uma compreensão sempre limitada pelo mistério que é a intimidade das motivações de cada um, nem sempre explícitas até mesmo para o próprio protagonista...

Em todo caso, vale a pena começar a apontar as dificuldades materiais e circunstanciais, psicológicas e espirituais que ajudam a compreender o porquê de prolongadas permanências no OD.

Dificuldades materiais e circunstanciais

Há, para começo de conversa, sérias dificuldades de ordem material, que embora sejam brutais, não são necessariamente as mais decisivas. O numerário, que, suponhamos, entrou para a Obra com 15 anos, após passar muitos anos no OD, encontra-se, com quarenta e tantos e sem nenhum tostão. Enquanto seus colegas de turma já têm uma razoável base de instalação na vida (já puderam comprar imóveis e automóveis etc.) ele, o ex-numerário, sairá com uma mão na frente e outra atrás... Tudo o que ele ganhou ao longo dessas décadas foi entregue como doação voluntária para o OD. E nem passa pela sua cabeça pedir algum tipo de ajuda, pois bem sabe que não obterá nenhum centavo: nas regras do jogo da "apitagem", o OD até se considera traído: nunca há uma saída razoável da Obra, para o OD todos os que saem são traidores. E o mais incrível é que, na imensa maioria dos casos, o próprio "desertor" também carrega consigo esse viés, que, afinal, não foram em vão tantos anos de meios de (de)formação (ver dados numéricos no tópico 4).

Para que se veja que não há exageros, recolho aqui o caso (para quem não conhece os bastidores do OD é algo incrível, mas se se perguntar a qualquer numerário ele não terá coragem de negar) do Dr. H., assim relatado neste site por um amigo de H:

O Dr. Hxaxe Yxoxnxg Kxixm , Prof. da Escola Politécnica da USP, que me autorizou a publicar aqui seu nome, é um dos orgulhos da universidade brasileira, dotado de uma inteligência prodigiosa e de uma retidão incomparáveis. Quando conheci o Hae, em 1985, ele era evangélico praticante; seu pai e sua mãe eram figuras de grande prestígio na colônia coreana em São Paulo e membros destacados da Igreja evangélica dessa comunidade. Hae começou a assistir às aulas de doutrina católica que eu dava para amigos da USP e acabou por converter-se ao Catolicismo e entrar para o Opus Dei. (...) O Hae se converteu, "apitou" (entrou para a Obra), e seus pais respeitaram essas suas decisões. O resto da história está contado pelo próprio Hae em, o primeiro depoimento deste site(...) No caso do Hae (e de outros que ocorreram nessa época: final dos anos 90) eu sabia com certeza que a versão oficial da Obra era falsa. Quando o Hae saiu, esmagado, da Obra, pensei o óbvio: agora é muito provável que ele - que ainda por cima voltou a morar com os pais - deixe o catolicismo e volte a ser evangélico. Comecei então uma intensa "campanha" diária para mostrar-lhe outras formas de catolicismo, e - meio que na marra - apresentei-o a meus queridos amigos do Projeto Universidades Renovadas da Renovação Carismática Católica (posso dizer que dos trezentos e tantos numerários, eu era o único que mantinha laços reais com outros movimentos e instituições da Igreja). Pela graça de Deus, e pelo contraste da alegria, espontaneidade e amor desses amigos do PUR, o Hae permanece até hoje um católico exemplar! Quando perguntei ao Luís Antônio, o responsável pelos numerários no Brasil, se a Obra não estava preocupada com a fé do Hae, obtive como resposta, um cínico: "Estamos acompanhando". Eu que, pelo contato diário com o Hae, sabia que isto era mentira, não pude poupar-lhe um murro na mesa (estávamos no restaurante Senzala, da Praça Panamericana) e disse: "Vocês acompanharam só a conta bancária dele!” A esse respeito, leia-se o relato do próprio Hae em.

Quando o H saiu, seu saldo bancário era de R$ 880,00 e a única preocupação do diretor do centro foi a de zerar a conta dele (na verdade, deixaram 80 reais) pois já sabiam, há dias, de sua determinação em sair da Obra. Em depoimento do próprio H:

Quando informei aos diretores que queria sair do Opus Dei, o meu cartão eletrônico do banco ainda estava com o secretário do meu centro [o numerário não tem acesso a seu próprio talão de cheques, cartões de crédito etc., que ficam, sob chave, com o secretário do centro]. A minha conta corrente tinha algo como o meu salário de um mês. Como se sabe, utilizando uma caixa eletrônica, pode-se sacar somente uma quantia pequena de dinheiro por dia. Então, o secretário do centro foi sacando sistematicamente, dia após dia, todo o dinheiro de minha conta corrente. Quando pedi o meu cartão, o diretor do centro disse algo como “mas ainda tem oitenta reais na sua conta...” Imagino que teria sido muito mais fácil fazer uma transferência de todo o dinheiro da minha conta para a conta do centro, mas nesse caso teria ficado uma prova escrita da usurpação do Opus Dei.

O que me assusta, mais do que o valor monetário (afinal, o valor de um mês do meu salário é insignificante comparado com o valor total dos salários que entreguei durante mais de 10 anos) é a atitude deliberada do Opus Dei de deixar um numerário prestes a ir embora na pior situação possível.

Relatei no depoimento anterior que não queriam devolver o meu carro quando eu estava prestes a ir embora do centro. Ameacei que poderia chamar a polícia caso retivessem o meu carro, e eles o devolveram rapidamente. Nos depoimentos de outras pessoas (por exemplo, Tras el umbral), lê-se que o Opus Dei tem o costume de não devolver os documentos de uma pessoa que vai embora. Se um ex-numerário chamar a polícia para denunciar que Opus Dei está retendo os seus documentos, Opus Dei poderia mentir, afirmando que os documentos estão perdidos, que eles não têm documento algum dessa pessoa, etc. Porém, se eu denunciasse que o Opus Dei estava retendo o meu carro contra a minha vontade, o Opus Dei não teria como alegar que o carro não está com eles. Acho que por isso devolveram o carro rapidamente.

Eu era evangélico antes de conhecer Opus Dei. Os meus pais continuam sendo evangélicos. No momento em que eu tinha decidido ir embora, a preocupação razoável de qualquer católico (muito mais dos diretores e sacerdotes que supostamente deveriam se preocupar com o meu bem espiritual) seria tentar preservar a minha fé católica. Devo afirmar que nenhuma pessoa do Opus Dei se preocupou com a minha fé, mas só em esvaziar a minha conta corrente e em reter o meu carro. Se hoje eu continuo católico, é graças a amigos católicos, às pessoas da Renovação Carismática que me acolheram com carinho, e à minha esposa.

E não é que o Hae tenha saído furioso ou fechado ao diálogo, pelo contrário: é o Opus Dei que, quando alguém sai (e para eles todos os que saem são traidores) não quer mais "perder tempo" com aquela pessoa: já sugou o que tinha que sugar e sua única preocupação é a de que a existência dessa pessoa seja totalmente deletada da memória do centro e das demais pessoas da Obra.

E aí tocamos outro ponto das dificuldades do ex-numerário: como o Opus Dei instrumentaliza a amizade e induz seus membros a só investirem tempo em gente que possa render para a Obra (em termos de vocações, dinheiro, abertura de espaços etc.) aos quarenta e tantos anos, o numerário que sai, não só não dispõe de nada, como também praticamente toda sua rede de amizades de nada lhe pode valer pois eram amizades de pessoas ligadas ao OD e que, a partir da saída - regra geral - serão instruídos a evitar o traidor... Como já foi explicado neste site:

"No Opus Dei sempre se diz que das pessoas que se afastam nunca se fala nada para não as expor a constrangimentos (o usual, nesses casos, é “discretamente” indicar alguma pista estereotipada: reza por ele..., a soberba..., distúrbios mentais ou de conduta...). Mas, o fato é que, em muitos casos, se a verdade fosse conhecida, o constrangimento maior seria para os diretores da própria instituição. E, como todo mundo sabe, insinuações sutis e reticentes podem ser muito mais devastadoras do que a calúnia direta."

Se esse numerário já exercia uma profissão fora da Obra, ainda terá alguma chance de ir se virando materialmente, mas e o caso daqueles que passaram anos em "encargos internos" full time?

Configura-se aí uma escravidão análoga (mutatis mutandis) a essas que, de vez em quando, são denunciadas em fazendas de coronéis do Nordeste. O caso é tristemente conhecido: o cara estava desempregado e foi contratado pelo capataz, que ofereceu trabalho relativamente bem remunerado, digamos um salário mínimo, e o trabalhador só depois fica sabendo que ele tem que comprar a comida do armazém da fazenda, no qual um quilo de feijão custa 30 reais; um par de havaianas usadas, 50 reais; um ovo, 2 reais etc. tudo devidamente anotado na caderneta e assinado (talvez com o polegar direito). Ele não pode sair pois sua dívida para com o patrão é, passados alguns meses, de muitíssimos de seus salários. Cf. p. ex. www.interagencia.com.br/oit/lerclipping.cfm?cod_conteudo=2798

A essas dificuldades podem se ajuntar (e não são raros os casos...) um obstáculo praticamente insuperável: o de doença psíquica. É bem o caso de N., que desde o ano passado anda com a saúde abalada: apresenta sintomas de depressão, pela angústia causada pelas contradições entre o ideal proposto "por Deus" (pela Obra, que se arroga o direito de dizer qual é a vontade de Deus para quem ela quer recrutar), um ideal pelo qual N., ainda muito jovem, apostou todas as fichas e, por outro lado, a sombria, burocrática, cinzenta e sufocante realidade dos bastidores da vida na Obra (voltaremos a isto no tópico 4).

Se N fosse um traste, se N já estivesse imprestável, a "solução" seria simples: dir-se-ia, caridosamente, para N que ele, na verdade, não tem vocação, que ele deve sair da Obra e procurar, isso sim, ser um bom cristão, e que ele será nomeado cooperador da Obra (sem nenhum compromisso, além do de ajudar financeiramente) etc. E pronto, problema resolvido. Mas o problema é que N não é um traste: nisto, como em tudo, a Obra dispõe de um critério claro: dinheiro! E N ganha com seu trabalho (de professor de pós, em MBA) um belo de um salário mensal, digamos 8000 reais, que vai direto para os cofres da Obra. Aí começa um instintivo cálculo de custo / benefício (que, por incrível que pareça, será feito de modo automático pelo diretor, com a consciência de estar cumprindo a vontade de Deus: pois a "vontade de Deus" identifica-se com a pujança e o crescimento da Obra) cuja primeira providência "de caridade" (e insisto: o diretor talvez pense que se trata de caridade, entendida ao modo do OD) é encaminhar N. ao Dr. Alec (o numerário psiquiatra, que vem periodicamente do Uruguai para administrar remédios para os muitos numerários que "estão com problemas"). A fórmula, para os casos de "doença" principiante, é simples: prescrever algumas bolinhas para baixar o ritmo e, assim, sentir menos os efeitos da angústia e depressão (depois, se for o caso, virão os eletrochoques terapêuticos etc.). A dialética prossegue: com os remédios do Alec, N. passará a ter dificuldades para trabalhar e, p. ex. dando menos aulas, deixará de ganhar 8000 e cairá para 5500. N. ainda tem vocação, embora comece a dar trabalho e "maus exemplos": ele, por exemplo, começa a dormir duas horinhas de tarde, em pleno dia útil, ele quer sair para caminhar e espairecer, e no outro dia, o mais grave: levantou-se no meio do círculo e saiu da sala. Com o tempo (como ninguém descobre qual é o verdadeiro problema) a doença se agrava, as doses aumentam, o salário diminui até que chega o ponto em que N já está um traste...

Dificuldades psicológicas

Além das sérias dificuldades materiais, há diversas dificuldades psicológicas, não menos perturbadoras: sendo o Opus Dei um caso de seita dentro da Igreja (o que para os membros e simpatizantes seria uma contradição em termos, um "círculo quadrado"), o numerário que sai, sai inseguro não só por não dispor de meios materiais, mas de uma profunda inexperiência, por ter passado tantos anos num "flat de concentração"... em relação a mil aspectos banais da vida quotidiana, mas que, para ele, são problemas. Num primeiro momento, são problemas o supermercado, lavar a roupa, usar o cartão de crédito etc. etc. Recolhido de um depoimento deste site:

Contando ninguém acredita, mas um ex-quase-alpistado, nos seus primeiros dias fora da Obra, foi ao supermercado comprar alguma coisa para comer. Estava com pouco dinheiro no bolso, e, meio inseguro, pegou apenas um miojo (macarrão de preparo instantâneo). Deu-se entre ele a moça do caixa o seguinte (e insólito) diálogo:

— É só isso?
— Só.
— Custa 65.
— 65 reais?
— ...???!!!
— Tudo isso, 65 reais?
— Não, moço... 65 centavos.
— Ah, que susto...

Afora a sensação de frustração (e no caso de ele ter percebido que a Obra é um enorme embuste) ou de vergonha de ter caído no "conto do vigário" (ou, no caso, do Prelado). A maior defesa dos que aplicam os golpes é precisamente o fato de que o "pato" tem vergonha de denunciar... ("-Mas como? Você atende uma ligação a cobrar de um golpista que se diz da compania telefônica e ainda é tão trouxa a ponto de obedecer o cara que te manda digitar um código pelo qual ele vai clonar teu telefone...? Você é muito trouxa...!"). Esta, a vergonha (acabar como um defroqué) é a razão pela qual tantos ex-numerários hesitam em escrever seus depoimentos para este site...

Como toda sua vida tinha sido ligada ao OD, ele agora tem de explicar para os colegas - e é um problemão! - que, na verdade, ele acha que os livros do Círculo de Leitura da Quadrante são medíocres (ele que, por obediência, passou anos vendendo assinaturas "goela abaixo" para esses mesmos colegas), que não acha que esses seus colegas devam continuar com a contribuição mensal para a "Escola da Pedreira" (a escola, aliás, já está construída há anos e as campanhas arrecadam muito mais do que o necessário para a manutenção...) etc. etc. etc. Há semelhança com o silêncio dos que conseguem sair do esquema de negócios escusos ou ilícitos: entrou na "organização" e, aos poucos, foi se enredando mais e mais...; quando sai (se consegue sair) está comprometido, precisamente por ter participado... Sem falar no perigo de represálias, de diversas ordens...

Dificuldades espirituais

Além das sérias dificuldades materiais e psicológicas; o Opus Dei, sendo um caso de seita dentro da Igreja (o que para os membros e simpatizantes seria uma contradição em termos, um "círculo quadrado") tem, como nenhuma outra instituição da Igreja, mecanismos de intimidação espiritual tão ou mais fortes do que o fato de ser reduzido à indigência material ou psicológica. Em muitos casos, os anos de amarga permanência no OD são pura e simplesmente a medida de um imenso amor pela Igreja, que atinge o limite do sacrifício pela dificuldade de dissociar a seita OD da Igreja. Há casos em que, atingido o limite do insuportável, sai-se do OD como única saída para poder continuar católico!!

De fato, os procedimentos do OD não encontram paralelo em nenhuma instituição da Igreja de hoje. Recolho um texto do Prof. Jean, em recente debate no Orkut:

Caríssimo M [o moderador], Começando a responder seu post, "Novas ponderações", e começando pelo ponto " 1- O conhecimento do prosélito...", eu lembraria que uma coisa são as etapas da caminhada; outra , muito diferente é a "propaganda enganosa", a ocultação do conteúdo concreto. Para começo de conversa, tenha em conta que os prosélitos são recrutados, cada vez mais, em "clubinhos" de garotos, atividades de Iniciação Científica (para garotos do ensino médio e até fundamental) etc. e cada vez menos na universidade (...)

Mas, voltemos à diferença entre etapas naturais da caminhada e "propaganda enganosa".

O prosélito (e cada vez mais o OD se volta para garotos), começou freqüentando o Centro para "iniciação científica", vai "encaixando" (para usar a sugestivíssima gíria interna dos numerários de todo o mundo), em contato com o numerário que "o trata" (outra gíria) e pouco a pouco vai sendo envolvido pelo ambiente cativante do centro (na Seita Moon, a fase de mostrar simpatia, alegria, profundidade espiritual para o recém-chegado chama-se "inundação de amor"), até chegar a hora de ele ser "falado para apitar" (outra sugestivíssima gíria interna).

A proposta do Opus Dei, a maravilhosa e fascinante proposta teórica da Obra, ele vê encarnada em alguns exemplos de numerários que lhe são oferecidos no convívio do centro (por isso o governo da Obra permite a uns poucos ter as condições de fazer uma carreira decente de professor universitário; de usar sem tantas restrições a Internet etc.) . É nestes exemplos que a Obra se apóia.

Quando o rapaz está muito "encaixado" é "falado para apitar" (estamos falando do caso típico, mais freqüente). "Falado" para apitar (apitar=ingressar na Obra), porque ao contrário da liberdade que hoje há em todas as instituições da Igreja, a prática do Opus Dei é a de impor a vocação de fora. O numerário que trata o garoto prosélito (imaginem a cena: um cara formado, fazendo pós-graduação, orientador da "pesquisa científica" do garoto de 15 anos), com toda a ascendência proveniente desse prestígio abusivo (e, em muitos casos, covarde mesmo) um belo dia fala para o rapaz apitar, de preferência num clima de um retiro para "apitáveis" ou no de um "convívio" para "apitáveis" (levando o apitável 3 dias num sítio e submetendo-o a um bombardeio de testemunhos de numerários triunfantes, filmes do Fundador, etc.).

O que o apitável não sabe é que o numerário que o "trata" e o sacerdote, por ordem do diretor leigo, já ensaiaram a jogada:

Após uma semana de insinuações e indiretas, o numerário investe fundo: "Você tem vocação para a Obra", "Cristo está te chamando", "Se você não se entregar a Cristo, você nunca vai ser feliz e realizado, nem nesta vida nem na outra..."

Ante a pergunta: "como é que eu sei se eu tenho vocação?", a resposta é: "olha, eu te conheço; eu conheço a vocação para a Obra; inclusive a Obra é a primeira interessada em não trazer gente sem vocação..., fala com o Pe. Fulano! Será que você não vê sua vocação na sua oração?; "É Cristo que está passando a teu lado, e se Cristo passar e você não corresponder ao chamado, Ele não passa mais, lembre-se do jovem rico que ficou triste para sempre..."

O rapaz procura o sacerdote do centro, aquele mesmo que lhe propiciou uma enorme alegria para a alma, desde que se confessou pela primeira vez é pergunta: "Pe. Fulano, o senhor acha que eu tenho vocação para a Obra?"

A resposta é imediata: "Sim, você tem vocação" E repete o discurso do numerário.

É importante observar que ao ser "falado para apitar", o rapaz é veementemente aconselhado a não se aconselhar com ninguém, nem comentar uma palavra sobre o assunto com ninguém: muito menos com os pais ("por mais católicos que seus pais possam ser, este assunto, eles não podem saber, porque neste campo, os pais, com toda a boa vontade, costumam ser os piores inimigos de Deus"), nem com um sacerdote ("os sacerdotes que não são da Obra não entendem o espírito do OD e, portanto, iriam te aconselhar errado").

A pressão vai aumentando: "Olha, tem muita gente oferecendo mil mortificações por você, decide logo: Cristo está passando..." "A vocação para a Obra é o plano que Deus tinha quando te criou, você só existe para isso..."

"Olha, vamos fazer 15 minutos de oração juntos". Vão juntos ao oratório (ou se estiver com gente, a uma salinha do centro) e o numerário começa a ler em voz audível, para que eles meditem em silêncio, textos como os do capítulo “Chamamento” de Caminho:

CHAMAMENTO
902. Por que não te entregas a Deus de uma vez..., de verdade..., agora!?
903. Se vês claramente o teu caminho, segue-o. - Por que não repeles a covardia que te detém?
904. “Ide, pregai o Evangelho... Eu estarei convosco...” - Isto disse Jesus... e disse-o a ti.
905. O fervor patriótico - louvável - leva muitos homens a fazer da sua vida um... “serviço”, uma “milícia”. - Não esqueças que Cristo tem também "milícias" e gente escolhida a seu “serviço”.
906. Et regni ejus non erit finis. - O seu Reino não terá fim! Não te dá alegria trabalhar por um reinado assim?

Finalmente, o rapaz diz "sim", escreve a carta para o Prelado e nunca ninguém da Obra lhe dirá que se trata de um período de teste de 6 meses [como rezam os estatutos aprovados pela Igreja, que mal sabe que, naprática do OD a teoria é outra] etc. Afinal, ao longo de todo o processo, foi lhe dito: "A vocação para a Obra é o plano que Deus tinha quando te criou, você só existe para isso..."; só lhe será dito nas palestras e nas conversas com o diretor, que se ele "perder a vocação" ele será para sempre um infeliz, nesta vida... e, provavelmente, na outra. Enchem-lhe a cabeça com textos de S. Josemaría, dizendo que a vocação não se perde, é o cara que a joga pela janela, que ele seria um traidor... "Não conheço nenhum que seja feliz". Ou: “No encontraréis la felicidad fuera de vuestro camino, hijos. Si alguien se descaminara, le quedaría un remordimiento tremendo: sería un desgraciado. Hasta esas cosas que dan a la gente una relativa felicidad, en una persona que abandona su vocación se hacen amargas como la hiél, agrias como el vinagre, repugnantes como el rejalgar.” (Livro interno de Meditaciones, tomo III, págs. 384 a 389 (referente ao Sábado da 13ª Semana do Tempo Comum).

Passados os 6 meses "de teste", ele fará "a admissão", para "cumprir tabela", como quem cumpre uma finalidade burocrática imposta pela Igreja, porque a Obra, a única coisa que disse nesse tempo é que a vocação desde o primeiro momento é definitiva e absolutamente inquestionável. A mais mínima cogitação interior deve ser afastada como tentação diabólica. Etc.

Se ele não fizer a "admissão" (nem se pode cogitar dessa possibilidade), recairão sobre ele todas as maldições contra os traidores.

Quem pensa nisso (ou disso se recorda...), sente-se invadido por uma profunda tristeza. Aos poucos, o plano inclinado dura muitos anos, ele irá percebendo que muitos de seus "irmãos" desapitam e ele nunca saberá porque: está, na prática, proibido de conversar com eles e é "mau espírito" querer saber. Aliás qualquer conversa que de longe tangencie qualquer coisa crítica na Obra está proibida. E é ao longo dos anos que ele vai descobrindo que "é melhor" não prestar vestibular para uma carreira de Humanas (Direito, pode; mas Filosofia, Sociologia, Letras etc. não "convém" para o apostolado); as necessidades de leituras, que ele tinha aos 15 anos já não são as mesmas que agora na Faculdade (agora é que ele vai esbarrar com o Index). Ele descobrirá que só alguns poucos que foram deixados em paz podem fazer uma carreira universitária decente (não, F, ao contrário do que v. diz, o Opus Dei não emplacou nenhum numerário como professor titular da USP nestes 50 anos da obra em São Paulo). Etc.

E essa idéia de que a vocação é para sempre e a de que a única razão de Deus ter o criado é para "hacer el Opus Dei, siendo tú mismo Opus Dei" é lhe incutida milhares de vezes, na pesada agenda espiritual do OD.

Num cálculo rápido (o ano tem 52 semanas), cada numerário ouve/recebe a cada ano:

  • 52 horas de palestras em círculos semanais
  • 52 horas de conselhos "de Deus" (por meio do diretor - o diretor é a voz de Deus) por ocasião da direção espiritual, na qual ele deve (must) abrir totalmente sua intimidade, de modo mil vezes mais profundo do que na confissão sacramental de qualquer católico normal.
  • 360 horas de "oração" pessoal, em geral dedicada a meditar, absorver, os textos oficiais da Obra para isso previstos.
  • 7 dias de retiro totalmente fechado, bombardeado por pregações, meditações e palestras.
  • 25 dias de "curso anual", também confinado num sítio da Obra (sem nem sequer TV ou telefone), bombardeado por aulas, meditações e palestras.
  • 12 dias de recolhimento, totalmente fechado, bombardeado por pregações, meditações e palestras.
  • Horas de assistência a filmes do Fundador, de seu sucessor, do atual Padre.
  • Etc. etc. etc.

As "exigências da entrega" vão se revelando pouco a pouco, por um "plano inclinado":

E, assim, pouco a pouco, o numerário vai descobrindo "de surpresa em surpresa" as inúmeras regras internas pelas quais ele deve pautar sua vida: em geral depois de um mês de apitado lhe dizem que deve usar todos os dias (não festivos) o cilício e uma vez por semana as disciplinas (para ficar no exemplo mais folclórico); que - e agora refiro-me às numerárias - elas não podem ir a casamentos (porque isso poderia despertar instintos contrários a seu celibato), as numerárias - ao contrário dos numerários - não podem fumar, não devem trabalhar em creches (porque isso poderia despertar instintos de maternidade) etc. etc. etc. É evidente que esses detalhes não devem constar dos estatutos (aprovados pela Igreja), mas não foi São Josemaría que sempre ensinou a extraordinária importância das coisas pequenas? Ao contrário de um recém-ingressado em uma outra instituição da Igreja, digamos um beneditino ou carmelita, que sabem perfeitamente, desde o primeiro momento, as exigências CONCRETAS de sua vocação; o numerário do OD, só pouco a pouco, as vai conhecendo: como se diz no jargão interno, ele vai sendo conduzido por um "plano inclinado". Mas há uma diferença mais grave que impede qualquer equiparação entre, digamos, um beneditino etc. e o numerário. E aqui passo a copiar o argumento de uma carta de opuslivre.org:

"Um candidato a carmelita ou a beneditino não só sabe exatamente o que lhe espera, como também sua vocação é perfeitamente compatível com as exigências de pobreza, obediência etc. A vida de um beneditino (cumprir suas horas litúrgicas, seus encargos, penitências etc.) não pode ser inviabilizada pela estrutura de sua Ordem. Já a vida de um numerário, que deve santificar-se, santificando seu trabalho no meio do mundo, pode perfeitamente ser inviabilizada pela própria estrutura do Opus Dei. Uma metáfora para ajudar a compreender.

Se eu me dedico a jogar xadrez por correspondência - cada dia eu envio/recebo um mail com o lance do dia -, essa minha atividade pode comportar consultas a meu técnico, a bibliografia etc. E o meu técnico está legitimado em exigir que eu converse com ele sobre o lance que eu penso dar amanhã, por exemplo forçar uma troca de torres. Agora, se o meu esporte é tênis de mesa, o treinador não pode exigir que, durante a partida eu o consulte sobre se devo ou não arriscar uma cortada...: a própria dinâmica desse meu esporte exige autonomia total no momento da partida. Ora, o Opus Dei impõe a seus numerários uma brutal dependência em relação a horários, gastos etc., a mais mínima picuinha deve ser consultada ao mesmo tempo que exige deles uma desenvoltura para a santificação / apostolado no meio do mundo! O Opus Dei recai na síndrome de De Gaulle. O Gal. De Gaulle, ao final da 2a. guerra, nas discussões sobre o futuro da Alemanha derrotada, expressou que a França queria uma Alemanha com exército suficientemente forte para conter a Rússia e AO MESMO TEMPO que não representasse uma ameaça para a França... (obviamente qualquer exército capaz de conter a Rússia é uma ameaça mortal para a França...).

Do numerário se exige, p. ex., prestígio profissional e que trate pessoas de alto nível. No dia-a-dia, porém, suponhamos que ele é professor, para coisas tão simples como comprar um livro de 30 reais, assistir a um dia de congresso científico, receber dignamente um professor convidado, oferecendo-lhe um jantar num restaurante, etc. são, na prática, inviabilizadas por uma burocracia infernal: ele tem que prever as coisas com dias de antecedência, consultar o diretor (que por sua vez repassa a consulta para o governo estadual), tirar o dinheiro com o secretário do centro (o diretor estipula - sempre puxando para a miséria - o valor do jantar: se o convidado pedir um vinho, o numerário dançou...).nfim, releia o depoimento do Dr. Hae, "Impossibilidade de viver dignamente o trabalho no Opus Dei", e tantos outros neste site.

O resultado disso tudo é que o numerário é visto pelos colegas como um cara esquisito, conventual. Exige-se dele uma espontaneidade, um estar à vontade no mundo, ao mesmo tempo que se lhe impõe uma estrutura mais que conventual... Esse gaullismo do Opus Dei funciona bem para os poucos "intocáveis", que fazem polpudas caixas 2; funciona muito bem para os diretores, que vivem enclausurados nos centros...; para os demais, resulta em tantos casos de desestruturação psíquica e espiritual". (fim da citação)

Ao referir-se aos intocáveis, o autor da carta está implicitamente citando uma outra matéria do site (só compreensível para quem já teve contato direto com a Obra).

Esta impossibilidade de viver cristãmente a vocação profissional porque se é numerário do OD, foi descrita em diversos depoimentos deste site. Recolho o testemunho do Jean (no mesmo debate), sobre sua carreira como professor de Filosofia na FEUSP:

Alguns Fatos Institucionais Concretos 24/7/2005 20:10 Os posts anteriores eram, por assim dizer, preparatórios, para alguns FATOS que pretendo expor agora.O Opus Dei tem fama de intelectual. O próprio Dom Cláudio, certa vez, expressou-me esta impressão sua, mas como eu, na época, era numerário, achei melhor calar-me e deixá-lo com essa sua idéia... O que passo a considerar, refere-se aos numerários da Seção masculina. O FATO curioso, contraditório, é que o Opus Dei, nestes 48 anos de Brasil, e com todo o apreço que o Fundador apregoava pelo trabalho intelectual tem pencas de engenheiros, matemáticos etc. mas nenhum numerário que tenha cursado carreiras como Filosofia, Ciências Sociais, Letras, Política, etc.; das C. Humanas, só Direito (há um caso avulso de História e um de Geografia e alguns que buscaram uma apressada formação em Pedagogia em Faculdades de 2a. linha só para efeitos legais dos colégios que a Obra está lançando agora no país) Mas não se trata só de um medo de cursar Humanas (em meados dos anos 70, todos os cursos de humanas da PUC-SP estavam proibidos internamente, acho que com a exceção de Direito, talvez).

Nestes anos todos de trabalho em São Paulo, contam-se nos dedos de uma mão os numerários professores da USP (quanto a ex-membros numerários, a história é outra: conheço muitos professores aqui no campus) e nenhum (acho que no Brasil todo) pôde chegar ao topo da carreira, como professor titular (o único fui eu, não por especiais méritos, mas por razões que passo a explicar). Desde 1981, sou professor na USP: fiz o mestrado, doutorado, livre-docência e titularidade em filosofia e história da educação na FEUSP. Esta carreira, se as coisas seguem seu curso normal, seria impossível para um numerário, chamado vocacionalmente a santificar seu trabalho de professor! Pois, se as coisas tivessem seguido seu curso normal, eu, como numerário, teria sido proibido de ler a imensa maioria dos os autores da Filosofia Moderna - como, digamos, Descartes ou Kant -, que são considerados proibidos pelo Index interno do Opus Dei.

Sim, porque (e esta é mais uma das surpresas do "plano inclinado"), há um Index de livros proibidos na Obra: S. Josemaría dizia, quando a Igreja suprimiu o Index, que "se a Igreja não tem Índice, eu sim que tenho: este (e levantava o indicador)". Como os filmes que se projetam de encontros com o Fundador são editados de acordo com o "eclesiasticamente correto", nos últimos anos essa cena foi cortada (não é algo para se apresentar na fachada) Se um membro da Obra resolve ler um livro qualquer, ou, sendo estudante ainda, precisa ler para o colégio ou para a faculdade, deve pedir autorização interna: todos os livros têm uma qualificação numerada (como os filmes censurados no tempo do franquismo) de 1 a 6 :

  1. obras sem inconvenientes;
  2. requerem boa formação doutrinal no leitor;
  3. apresentam inconvenientes que, além de boa formação doutrinal, requerem espírito crítico no leitor (há um caso de um numerário formado em Direito, há 5 anos na Obra, que não podia ler “livros de 3ª”, e o fato de que O Alienista, de Machado de Assis, é de 3ª, classificação que o Opus Dei nunca explicou, mas certamente algo tem a ver com a denúncia que o livro faz a certos diagnósticos de loucura...); (cont.)
  4. apresentam inconvenientes que, além de boa formação doutrinal, requerem espírito crítico no leitor e um motivo proporcional para ler;
  5. proibição interna;
  6. proibição moral geral.

Lembro-me que livros de Joseph Ratzinger, escritas antes de ser cardeal, estavam entre as obras proibidas pela Obra...

E muitas obras proibidas internamente no Opus Dei encontram-se disponíveis na íntegra na "Biblioteca" do site do Vaticano (Congregação para o Clero).

Eu, por razões de encargos internos da Obra, gozava de uma dispensa excepcionalíssima (dada pelo Pe. Xavier, o chefe máximo nacional vitalício da Obra no Brasil), que me permitia ler o que bem entendesse e, só por isso, pude lecionar essas disciplinas na USP.

Mas o Index é só parte do problema. Outra parte é a compra de livros. Como disse em outro tópico, eu comprava livros por conta do encargo interno que exercia e, depois, com o caixa da editora universitária em que colaborava. Quando achei que era injusto onerar a editora com meus gastos profissionais, propus ao diretor do Centro - um engenheiro sem preparo em filosofia - destinar em torno de 5% de meu salário da universidade - para comprar livros, sem passar pela burocracia terrível da Obra (afinal, quem sabe o que tenho que ler em meu trabalho de professor de filosofia não é ele). Após dois meses "pensando" e esperando a resposta da consulta ao governo nacional da Obra, ele autorizou, mas outros dois meses depois voltou atrás (na verdade, não ele, mas o governo nacional), afirmando que isto contrariava frontalmente o espírito da Obra. Este é um dos tantos exemplos de como o OD se constitui em estrutura de pecado: como professor universitário, eu tenho a obrigação de justiça de preparar-me para dar as aulas dignamente, meus alunos têm direito a isto e é para isto que a USP me paga.

Na prática, numa cidade como São Paulo, acaba sendo impossível eu num dia ver um livro, digamos, na Livraria Francesa, dois dias depois consigo consultar o diretor e obter os R$ 40,00 com o secretário, em um outro dia voltar à Livraria Francesa com o dinheiro para talvez constatar que o livro já foi vendido...

Bem, para mim era claro que entre o dever de justiça para com meus alunos e uma burocracia tola (e não se trata de tacanhice do diretor de plantão, mas de algo fundacional, estrutural do OD), eu passei a desobedecer e não consultar: tirava do banco meu dinheiro e comprava os livros que achasse necessário para não pecar (literalmente: não cometer pecados) por incompetência profissional.

P.S.

Antes de que me digam que se trata de atitudes concretas deste ou daquele diretor, gostaria de frisar que esse Index particular do OD é prática universal e estrutural da Prelazia, como também as consultas de qualquer gasto com livros (mesmo que o diretor não saiba distinguir Santo Tomás de São Tomé). E, ao que me consta, o OD só tem endurecido essas práticas.

Um outro dado interesante -lembrou-me um amigo em pvt - é o daquela pessoa (e não é um caso isolado, mas típico) que passou nas disciplinas de Humanas sem ler nada da bibliografia indicada pelos professores e faltando a muitas aulas porque os autores estavam no Index e, portanto, o professor não era confiável. Quantos numerários fizeram cursos de "Introdução à Sociologia" (em cursos de Economia ou Administração, esses sim cursáveis para numerários) sem ler nada da tradicional tríade - Durkheim, Weber e Marx - indicada geralmente nessa matéria e valendo-se de "resumos internos" para fazer as provas e trabalhos...

Na verdade, o dilema que se põe em muitos casos é precisamente o descrito acima: obedecer na Obra é desobedecer à vocação cristã em suas exigências humanas e espirituais!

Junte-se a isto a censura (mais eficaz porque é também auto-censura, sob pena de pecado) a todo e qualquer texto que faça a mais mínima crítica à Obra (até o jornal nos Centros aparecem censurados no melhor estilo cola e tesoura) a falta de informação / desinformação (ou mentira mesmo) sobre os numerários que saem da Obra, a proibição de conversar com ex-membros e a de ler sites como este etc. e teremos um quadro mais completo das dificuldades espirituais para sair da Obra.

Dificuldades que, para os de fora (e mesmo para muitos supernumerários...) não só são desconhecidas, mas até mesmo inimagináveis. A fachada que o OD apresenta é a de seus poucos membros que excepcionalmente dispõem de liberdade para serem (ou se apresentarem) como normais e brilhantes (um dos chefões espanhóis das atividades de supernumerários para a família - no Brasil, ADEF - usando uma metáfora de tourada, certa vez ensinou o critério: "o importante é ter, em cada caso, um primer espada, (para conferências, reuniões etc.) para atrair e animar as coisas: depois, eles aceitam qualquer outro)".

É a tal propaganda enganosa: de vez em quando aparece um pregador incomparável como um D. Rafael LLano, que, além do mais, é de uma simpatia irresistível e, depois que o cara apita, nem tchum de D. Rafael; ele cai nas mãos de um Zé Mané, mas aí já é tarde: o Zé Mané fala em nome de Deus.